A Arte das Cartas
|
O Eremita do tarot
de Marselha, ilustração
de Claude Burdel (1727-1799). |
A cartomancia é uma modalidade
antiga e muito popular de adivinhação e aconselhamento através das cartas. A mais
antiga, e que talvez tenha dado origem a todas as outras, é a cartomancia
comum, feita com as cartas de baralho para jogo. Popularizaram-se na Europa
entre os soldados que retornaram das duas Cruzadas do século XII, a de 1147/1149
e a de 1189/1192. Trouxeram o baralho das suas interações com o povo árabe que
se utilizava das cartas tanto para jogos quanto predição. Isso dá à cartomancia
uma idade por volta de mil anos! Embora o tarot tenha mais de seiscentos anos, o seu uso oracular só se torna imensamente difundido graças ao trabalho intenso de divulgação tanto prática (dando consultas),
quanto teórica (proferindo palestras e cursos) do ocultista francês Etteilla (1738/1791) por
volta de 1750, o que faz do tarot um senhor quase tricentenário na divinação. Por fim, o
mais novo membro desta família, o baralho Lenormand, nasce de um engano. As
cartas originais pertencem a um jogo de lazer que foi criado por um alemão
chamado Johann Kaspar Hechtel (1771/1799), e foram publicadas com o nome de “Jogo
da Esperança”. Por volta de 1840 as cartas foram lançadas na França em nome de
Madame Lenormand, que veio a falecer em 1843. Portanto, as cartas nunca foram
ciganas, e nem de Madame Lenormand (1772/1843)! O mais provável é que ela se utilizasse
mesmo do tarot clássico, e de leituras astrológicas e das mãos (quirologia) em
suas consultas. Ainda assim as cartas chegam ao Brasil por volta de 1929 com o
nome de “Cartas Ciganas”, dando início a uma fantasiosa confusão que só é aumentada
quando a cartomante Kátia Bastos resolve lançar uma versão nacional do baralho
com o nome de Tarot Cigano! Nem por isso o poder divinatório do baralho
Lenormand, também chamado de cartomancia francesa, ficou ofuscado, pelo contrário!
Grandes leitores mudaram vidas se utilizando
desse baralho. Assim sendo as "cartas de Madame Lenormand", as
mais jovens da cartomancia, são senhoras quase bicentenárias.
|
Uma cartomante com cartas do baralho comum... |
Dentre todas as formas de
cartomancia o tarot foi a que se popularizou de modo mais grandioso, com inúmeras e belas versões artísticas, como o tarot de Salvador Dali. Estudado por
psicólogos, antropólogos e historiadores, os arcanos (ou mistérios) do tarot,
como ficaram conhecidas as suas cartas, parecem ser a síntese mais perfeita de
muitos conhecimentos ocultos numa única obra. Em seu simbolismo percebe-se
analogia com disciplinas muito mais antigas como a cabala, a astrologia, a
magia e a mitologia de muitos povos! E isso se deu de tal modo que o estudo do
tarot ergueu-se da denominação cartomancia, que literalmente quer dizer “a arte
das cartas”, para criar uma nomenclatura própria, a tarologia, que significa “o
conhecimento do tarot”. Mas como disse o cartomante, tarólogo e historiador
Emanuel J. Santos: “Nem todo cartomante é um tarólogo, mas com certeza todo
tarólogo é um cartomante”, ao que eu digo com certeza! Somos todos membros de
uma grande família espiritual, a família dos cartomantes. E o que explicaria o
imenso sucesso da cartomancia em todas as suas manifestações no mundo de hoje? Creio
que por ser de todas as mancias a mais jovem, as cartas resumem em seu
simbolismo o significado de muitas outras práticas mânticas mais antigas. Isso sem
falar na imensa facilidade de sua aplicação. Com um baralho nas mãos, quer seja
o comum, o Lenormand, ou o tarot, podemos realizar uma leitura para alguém em
qualquer lugar. Acrescenta-se a isso a capacidade inspiradora de suas imagens de
nos fazer intuir com precisão situações, pensamentos, sentimentos, medos e até esperanças
de pessoas com quem não temos contato algum, a não ser por aquele breve
instante. Só quem trabalha com as cartas sabe o poder de fascínio e arrebatamento
que isso proporciona para quem é atendido, tanto quanto para nós que lemos suas
mensagens...
|
A Lua, do baralho Lenormand.
Versão de Ciro Marchetti. |
Infelizmente a cartomancia tem sido
vista com desdém e desconfiança quer seja por alguns ocultistas, quer seja pelo
público leigo e, cá entre nós, nem sempre é à toa! As famosas “lives” do Facebook
têm sido a prova de onde se origina tanta má vontade. Pessoas vestidas de forma
suspeita, não raro falando com erros de português, dão respostas das mais obscuras
as mais vagas possíveis! Numa dessas transmissões uma mulher que fumava sem parar respondia
questões feitas a ela usando um Lenormand. Uma pessoa então diz que tem andado
muito estressada e gostaria de saber o porquê. A referida cartomante embaralha,
tira três cartas do maço e diz que a cliente tem estado muito agitada com
muitas coisas do mundo prático dela, mas que o seu stress era mesmo espiritual. E
enquanto dizia isso balançava com ares de gravidade os dedos, indicador e médio,
onde segurava o cigarro. Logo após recolhe as cartas, e parte para outra pergunta
de outro consulente virtual... Bem, não sei para vocês, mas essa me pareceu a
resposta mais vaga, obscura e mal fundamentada que se podia dar. O stress, ou
estresse em português, é causado por uma sobrecarga de estímulos ou demandas
internas e externas que sobrecarregam o sistema nervoso, causando o aumento da
produção de um hormônio conhecido como adrenalina, que causa entre outras
coisas aumento da pressão arterial, insônia, ansiedade, e muitas outras perturbações sistêmicas. Como seria isso tendo uma origem espiritual? Ela estaria
falando de quê? Obsessores? Mediunidade mal trabalhada? Influência mágica
dirigida a consulente? Enfim, a lista de possibilidades é imensa, e quanto mais
a lista cresce mais absurda parece a resposta da cartomante. Convenhamos que foi uma resposta que não esclarece coisa alguma!
A cartomancia não tem a ver apenas
com entender de um certo sistema simbólico e ter intuições precisas, é também
sobre orientar pessoas a partir de uma perspectiva interior mais profunda! Por isso
recomendo que você ou não fale do que desconhece ou conhece pouco, que é o
mínimo da decência, ou que vá ampliar seu cabedal de conhecimentos gerais...
Por favor!
|
A intuição, um poderoso guia que se complementa bem com as
informações da mente racional... |
A
figura da cartomante com linguagem de jargão do tipo “por noites
vejo uma mudança em tua vida”, ou “cuidado, vão te fazer uma ursada minha filha!”
está mais do que ultrapassada! Muitos conhecimentos foram agregados à moderna
cartomancia, eles podem servir de base quando se precisar dar um nome àquilo
que a percepção intuitiva estiver captando. O que acontece é que na carência de
conhecimento de um termo exato usa-se o mais conhecido, e que quase sempre é o
que se tem o conhecimento menos aprofundado, simplesmente porque não se teve o
trabalho de pesquisar. O que parece ter sido exatamente o que ocorreu no caso da cartomante que acabei de citar.
Conheci uma pessoa que possuía
imensa vidência com as cartas de baralho comum, mas que não lia nada sobre
espiritualidade, esoterismo ou comportamento humano porque acreditava que isso
atrapalharia sua visão interior... Pois é! Não preciso dizer que ela perdeu inúmeros
clientes, pois que na ausência de um conhecimento mínimo que fosse sobre a alma
humana, e numa vaidade imensa de conseguir dizer muitas vezes nomes e datas com
precisão, ela caía no “achismo” do seu próprio ponto de vista. Disparando de
vez em quando pérolas do tipo: ”que feio isso que você faz!” ou “nossa só
arranja mulher feia pra namorar!”. Vaidade e falta de conhecimento é, como
vimos, uma combinação mortal. Além de essas pessoas aumentarem exponencialmente
o preconceito que as cartas já têm sofrido ao longo dos séculos.
Este exemplo ilustra bem que agregar conhecimentos não só enriquece o vocabulário, mas melhora em muito a postura do leitor, dando-lhe isenção de perspectiva. Em resumo, se você tem resistência
com certos temas humanos como infidelidade, drogadição, homossexualidade etc, e
nenhuma vocação para aprofundar seu conhecimento com novos aprendizados, ou de
aprender com o que cada pessoa lhe traz, então você não tem condições nenhuma
de fazer esse trabalho. Não importa o quão intuitivo ou mediúnico você seja.
Nenhum comentário:
Postar um comentário