quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Equívocos Simbólicos?


“O próprio do simbolismo é sugerir indefinidamente; cada um verá o que o seu olhar permita perceber”
Oswald Wirth

Esta semana deparei-me com um interessante texto de Giancarlo Kind Schmid no Clube do Tarot Intitulado Equívocos Simbólicos que se por um lado me fascinou devido a sua precisão histórica de pesquisa, por outro me fez perguntar se nós que estudamos os arcanos não temos que decidir em dado momento se somos afinal racionalistas ou simbolistas! 
Imagem de um feirante de alho.
O autor apresenta uma série de imagens de arcanos onde discute suas representações sob uma ótica mais precisa. No arcano de O Mago, por exemplo, ele afirma que as mãos do mago não são exatamente um gesto mágico, mas um movimento que os antigos ilusionistas medievais faziam para distrair o público em seus truques, ou que sua mesa não possuía de fato três pernas, mas que se trata de uma bancada longa onde outros feirantes mostravam seus produtos! Ok, bem interessante! Gostaria, porém, de apresentar outra perspectiva a este fato. Um símbolo não possui valor pelo que ele de fato é, mas sim pelo que aparenta ser, ou seja, pelo que ele nos sugere! A simbologia em si sugere indefinidamente, e estas sugestões é que tornam as cartas do tarot passíveis de tantos desdobramentos em seus significados. Os gestos do mago feirante e prestidigitador nos remete ao gesto mágico invocativo dos verdadeiros magos dos mistérios ocultos! E isso influenciou os maiores cânones da tarologia como A. E. Waite, Aleister Crowley, Paul Foster Case etc na interpretação deste arcano... Waite chegou a desenhar os quatro objetos mágicos dos elementos sobre a mesa do Mago! Eles se equivocaram? Não! Apenas se utilizaram da liberdade imaginativa e interpretativa que o símbolo oferece, e é assim que tem de ser! Um mesmo símbolo pode ser visto por muitos ângulos, o que só amplia seu significado tornando-o muitas vezes mais profundo e preciso.
O Mago, no Rider-Waite tarot.
Também não imagino que alguém possa ter pensado que exista de fato uma mesa de três pernas que ampare uma bancada de quadro lados. O que me parece é que se a versão do baralho de Marselha que mais se popularizou mostra apenas três pernas numa mesa do arcano, que sugere manifestação e talento, poderia haver uma alusão aos quatro elementos e os três tempos. O que de modo algum deforma o simbolismo e o significado do arcano, não concordam? Todas as possíveis sugestões que uma imagem pode propor só aumentam a perspectiva do arcano, e isso é bom! Caso contrário, se o vermos apenas como uma imagem de um ilusionista medieval, isso limitará sua expressão arquetípica que nunca englobará o significado de um verdadeiro iniciado nos mistérios ocultos. E que benefício isso traria para o estudo e a leitura do tarot? 
O Louco no tarot de Charles VI.
Na carta de O Louco ele revela que se trata de um cidadão vestido para o Folli, o carnaval medieval italiano que levava em sua sacola moedas e guizos para provocar os transeuntes e atiçar os cães. Isso, no entanto não me parece invalidar de modo algum que a imagem deste cidadão carnavalesco nos remete ao bobo da corte, capaz de confrontar com ironia a figura do rei, sendo assim um símbolo da liberdade e da ousadia! Nem o fato de os cães serem um dos primeiros animais domesticados pelo homem, e por isso os representantes da mente condicionada. Qualquer adestrador de cães sabe que eles não gostam de desordem na matilha ou na sua rotina, por isso ladram para tudo. Imagino que se hoje essa brincadeira ainda existisse os cães ladrariam para manter sua ordem, mesmo que presos a uma coleira, diante desses arruaceiros livres em seus instintos! Porque não relacionar esse encontro? Isso não parece uma casualidade cheia de significados?
O fogo, a representação mais comum
da presença do sagrado entre os povos antigos.
Um simbolista é alguém que olha para uma imagem e vê seu valor intrínseco. Um racionalista verá na imagem apenas o que ela apresenta. Em suas memórias Jung conta que uma de suas brincadeiras favoritas de infância era a de acender uma fogueira numa velha construção abandonada no interior da Suiça, onde vivia. A brincadeira consistia em nunca deixar que a chama se apagasse. Ele relata que isso o absorvia de modo tão fascinante que o tempo parecia não existir. Mais tarde quando descobriu em suas pesquisas que essa era a função de antigos xamãs e sacerdotisas em relação ao fogo sagrado, ele logo relacionou à memória de sua brincadeira infantil. Para quem vê as correlações simbólicas possíveis isso é fascinante! Essa é a visão de um simbolista. Um racionalista com certeza diria: "Ora, era só um menino solitário brincando com fogo!", e ele estaria certo, mas ainda assim isso não invalidaria a perspectiva simbólica interior do simbolista!
Agradeço ao Giancarlo pela rica pesquisa que nos apresentou, mas sugiro aos que estão lendo este artigo, e que se interessam no estudo da tarologia, que leiam, reflitam e relacionem os simbolismo das cartas do tarot no mundo simbólico o máximo possível! Sempre cuidando, é claro, para não distorcer os significados simbólicos “criando” visões particulares dos arcanos. Quando feito com cuidado, consciência e foco essa correspondência simbólica passa a ser uma experiência culturalmente enriquecedora, intelectualmente instigante e espiritualmente inspiradora, e mágica mesmo!

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