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| O sistema completo de A Cruz Celta com os mesmos arcanos que foram interpretados por Patricia McLaine, prevendo o crime terrível contra Sharon Tate em 1969 |
O caso mais emblemático da história recente do tarot foi a leitura de Patricia McLaine para uma amiga próxima da atriz Sharon Tate uma semana antes do seu assassinato, em começo de agosto de 1969. Ela já havia mencionado esta leitura no documentário Strictly Supernatural, de 1996, que está à venda na Amazon. O episódio referente ao tarot está disponível no YouTube, com o título Strictly Supernatural – A History of Tarot, e também aqui no Blog na página Vídeos. Achei a imagem da disposição completa (uma Cruz Celta) no grupo Tarot History, do Facebook, numa publicação de novembro deste ano. Há neste caso uma série de perspectivas sobre leituras de tarot que quero trazer para discussão aqui. Todas elas, porém, revelam o quanto os arcanos falam de modo diferente com diferentes pessoas. E isso não é exatamente uma constatação nova, mas é sempre surpreendente vê-la em ação! Costumo dizer que o processo mais rico para cada tarólogo é o de descobrir o que, afinal, as cartas querem com ele.
Neste caso em especial, a primeira coisa que chama a atenção é o fato de que Pattie, como era conhecida, estava lendo para uma pessoa e fez uma previsão para outra! Conheço inúmeros casos assim, e é mais comum entre os leitores psíquicos, leitores que agregam sua mediunidade às sessões de leitura das cartas, mas é importante salientar que não ocorre com todos os tarólogos. Os leitores psíquicos costumam sentir e prever fatos para membros colaterais de quem se consulta, de parentes à colegas de trabalho. Não tenho registro na minha jornada com o tarot de algo assim ter acontecido, e sou grato por isso. Considero as leituras focadas no indivíduo mais eficientes e edificantes. Já escrevi aqui sobre os quatro tipos básicos de leitores de tarot, e deixarei o link do artigo no fim da página. Isso é um dos inúmeros exemplos de como pessoas extraem experiências diferentes na sua interação com os arcanos. Outro aspecto importante é que toda a carreira de Patricia McLaine foi focada na divinação. Não me interesso tanto assim por previsões, embora as faça na prática oracular diária, onde elas são uma parte e não o todo do meu trabalho. Nas minhas leituras eu entendo que as vivências do momento estão sempre requerendo do consulente um movimento para o seu crescimento e desenvolvimento pleno da consciência.
O Desenvolvimento do Tarólogo
Essa diferença, ou particularidade oculta, costuma frustrar os iniciantes na tarologia, pois na maioria das vezes eles chegam inspirados por um ou outro autor ou celebridade midiática que lida com o tarot, ou até mesmo por consultores específicos com quem tiveram contato com as cartas. Eles querem fazer como eles fazem, ler como eles leem. Ao perceberem que não o fazem ou que são bem diferentes isso os faz crer que sua visão dos arcanos está errada ou é limitada. Costumo dizer que não há certo ou errado, há diferenças. Isso, é claro, não exime que o leitor tenha autocrítica no aprimoramento do seu trabalho, ou de que esteja sempre estudando e aprendendo tanto com suas próprias leituras (anotando-as, relendo-as, e posteriormente verificando se a sua percepção sobre elas aumentou, mudou ou segue a mesma). Como também que invista tanto quanto o máximo possível em livros que possa encontrar na vida, e cursos que possa e queira fazer. Os três vetores do desenvolvimento nos quais qualquer tarólogo, ou qualquer outro intérprete de símbolos ocultos, deve focar são: a busca da precisão, da clareza e da fluência em captar e comunicar o que vê. Isso é fundamental! Depois deve priorizar a fidelidade ao que vê. Isso significa que deve sim usar seu cabedal de conhecimento, suas referências e experiências e vivências para deixar claro ao cliente suas visões. Nunca, nunca, porém, dê sua opinião. Diga o que os arcanos revelam. Eles são os portadores da sabedoria ancestral que se comunica com o cliente através dos seus símbolos, e você é um intérprete, ponto final. Ah, mas não tem como ser isento. Tem sim! Costumo dizer que se uma pessoa vai em mais de um tarólogo ela vai ouvir os mesmos relatos, porque a vida dela e uma só. O que muda são as referências, o padrão, a experiência, a cultura e desenvolvimento do próprio leitor. Isenção é sobre você entender que sua “opinião” é pura manipulação, ainda que bem-intencionada, para interferir no que erroneamente entendeu como sendo da sua conta. Essa é uma confusão que muitos fazem, e que gera todo tipo de equívoco, ego inflacionado, e credibilidades dizimadas tanto para os intérpretes, quanto para o oráculo em si. Foram inúmeras as vezes em que presumi, ao conhecer a história das pessoas durante uma sessão, que o melhor caminho era a direção “A” numa situação e as cartas apontaram para a direção “W”, e foi o melhor! Entendo que essa postura guarda em si o desejo íntimo de ajudar, e o medo de orientar erroneamente aquele que veio buscar sua ajuda. O erro, entretanto, está justamente em se esquivar da orientação transpessoal do símbolo para dirigir-se à finitude da sua opinião sobre temas que, na grande maioria das vezes, não domina. Sem dizer que opinião é algo que se pede a pessoas íntimas, de confiança, e que conhecem a trajetória de quem a solicita. Se pede a um tradutor que leia uma mensagem escrita num outro idioma que desconhece, e ele começa a selecionar ou trocar o sentido do que está escrito porque quer “ajudar”, ele não só estará mentindo, como manipulando e interferindo na comunicação. Seja o melhor e mais honesto tradutor que puder ser, sempre! Exatamente por isso que se desaconselha a leitura das cartas para pessoas muito próximas, ou com quem estejamos envolvidos pessoalmente.
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| Leituras oraculares são um caminho de constante observação e aprimoramento. |
Certa vez, há uns 20 anos atrás, atendi uma jovem beirando aos 30 anos e já no apogeu da sua carreira. Os arcanos revelavam sua intenção de fazer uma grande mudança, que envolvia carreira, casa e até troca de cidade ou estado. Muitas cartas de espadas, no entanto, mostravam uma intensa e tensa discussão mental sobre se aquilo era viável, ou uma loucura sem fim! Ela então disse que era justamente isso o que estava acontecendo, e era o que a trouxe até mim. Contou que fez uma viagem para Alto Paraíso, em Goiás, e que lá conheceu uma comunidade de Calendário Maia, que era objeto de seu estudo há algum tempo. Dito isto revelou que estava sentindo imensa vontade de largar tudo e se mudar para lá! Era uma jovem publicitária trabalhando numa das maiores agências do estado na ocasião, tinha contas interessantes sobre sua responsabilidade, o seu apartamento, seu carro, e tudo parecia estar indo na direção certa, mas essa vontade despontou avassaladora. Como sou humano fiz meus julgamentos, era jovem, estava deslumbrada com o que havia recém descoberto, e seria tolice se jogar nisso. Felizmente lembrei a tempo de que não veio pedir minha opinião, mas minha análise como um intérprete dos símbolos do tarot. E ele foi categórico em afirmar que aquele era o seu caminho, e que nunca mais voltaria atrás depois de partir. Com o coração na mão comuniquei isso a ela. Cerca de seis anos depois as pessoas que a haviam indicado me avisaram que “aquela amiga” estava na cidade fazendo a interpretação da Onda Encantada para quem quisesse. Depois de seis anos, e um único encontro, é claro que não lembrava mais dela, e muito menos sua história. Agendei um horário e fui para minha sessão. Chegando lá fui recebido com um grande abraço, um daqueles que se dá em amigos de longa data sem se encontrar. Fiquei meio sem jeito, mas retribui afetivamente. Ela, notando que eu não a reconheci, começou a me falar de suas lembranças, o que me fez recordar de toda nossa sessão! Disse também que pensava em mim com frequência, pois não tinha absolutamente nenhuma intenção de sair de lá. Mesmo quando conheceu e se apaixonou por um rapaz do interior de São Paulo que a convidou para se mudar com ele, o que ela rejeitou! Ainda que passado todo aquele tempo senti aquela maravilhosa sensação de missão cumprida, fiz bem em ficar estritamente no meu lugar de intérprete e canal da sabedoria profunda e ancestral dos arcanos.
Nuances Simbólico-Intuitivas
Voltando para a leitura de Pattie McLaine, um dos moderadores do grupo Tarot History, Tero Goldenhill, mencionou o fato de arcanos como o 9 de espadas, A Lua, ou de A Morte não surgirem para esse tipo de revelação, e de nem sempre isso ser necessário, e eu concordo. Ele acrescenta à sua narrativa o fato de que uma ideia recorrente por lá nos anos 80 e 90 era de que o arcano de A Morte representaria uma mudança interna, enquanto que A Torre representaria então uma mudança externa. Aqui, no lado debaixo do Equador, nunca houve esse consenso. Entendem quando eu digo que o que molda as vivências com o tarot são nossas próprias perspectivas sobre o simbolismo dos arcanos? Goldenhill arremata sua observação dizendo que provavelmente Pattie usasse essa ideia já nos anos 60. É bem verdade, e já tratei deste tema no artigo Estados Alterados de Consciência no Tarot, que as cartas se sintonizam com nossa compreensão sobre elas, e começam a representar isso nas leituras que fazemos para nós mesmos e para os outros. Os grandes símbolos do inconsciente coletivo se moldam às nossas introvisões para que possamos entabular uma comunicação para nós mesmos, e para outros quando necessário. Então sim, o tarot é uma linguagem simbólica com uma estrutura própria e bem estruturada, porém a sua compreensão e aplicação é totalmente empírica.
Em janeiro deste ano fiz uma mandala astrológica para um cliente. Tenho usado as mandalas para obter uma perspectiva e prognósticos para o ciclo de um ano. Aconselho a abertura desta disposição no início do ano ou em ocasião do aniversário, que é o ciclo pessoal de desenvolvimento. Ao final da leitura tirei uma foto da mandala e o cliente perguntou se eu poderia mandar também uma síntese das casas por escrito, já que não havia gravado a sessão. Eu o fiz, um conjunto de frases breves que mandei pelo Whatsapp mesmo. Em meados de novembro ele me procurou dizendo que aconteceu o que eu havia previsto sobre a saúde da mãe dele. Como não fazia mais nem ideia do que havia dito fui procurar no histórico das nossas conversas, e eu havia escrito lá: “Foco na Família, apoio ou suporte para a figura materna, algum tipo de fragilidade física pedindo cuidados”. Ele me contou então que no começo do mês anterior, outubro, a mãe dele fez uma viagem ao exterior onde sofreu uma queda e fraturou de modo crítico o fêmur. Com mais de 80 anos, e com um acidente desta magnitude, sua recuperação estava sendo, além de sofrida, lenta! Fui verificar os arcanos que revelaram este prognóstico e estavam lá na casa quatro do signo de Câncer, representando as origens, a ancestralidade, os pais e a família o arcano de O Sol acompanhado da Rainha de copas. Já devem ter notado que as cartas mais desafiadoras, e que poderiam assinalar fragilidade ou perigo, como O Enforcado, A Torre, o 10 de paus, ou o 9 de espadas não estavam lá! Na minha jornada com o tarot O Sol dentro da mandala representa tanto o foco da consciência naquele ciclo anual, quanto a saúde e a disposição física, além de amor, êxito e alegria, tudo dependendo da casa que ocupe na leitura. A Rainha de copas, assim como todas as rainhas, pode se referir à uma figura materna. Especialmente delicada, sensível, servil e frágil conforme cada caso, tanto quanto uma mulher sedutora, misteriosa ou mediúnica com acentuados poderes de intuição, vidência e cura, conforme aparece na disposição.
Para os que observam estes mistérios que a prática com as cartas traz, fica claro o quão profundo e misterioso é este processo. E o quanto há aspectos totalmente fora, ou além, do controle e compreensão do próprio leitor. Os modos como os temas ou revelações se apresentam parecem ser graduados conforme a própria capacidade do consulente de absorver e lidar com os temas levantados. Mesmo que ainda haja aqueles que relutem ou neguem num primeiro momento.
Com este último relato quero explicitar ainda mais o quanto as leituras de tarot envolvem processos muito interiores e empíricos que precisam ser observados, tanto quanto os arcanos precisam ser estudados com disciplina em sua estrutura simbólica, para que sua linguagem não fique restrita a um conjunto excessivamente personalizado de impressões e percepções que podem então se tornar instáveis. Enfim, é aquela regra de ouro que diz que leituras eficientes são aquelas que unem racionalidade e disciplina a uma intuição acurada.
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| Sharon Tate (1943/1969), fim brutal de uma carreira promissora |
A Leitura de Pattie
Em outra sequência do documentário Patricia McLaine aparece fazendo uma outra interpretação aleatória de uma Cruz Celta, e sua explanação deixa claro que ela se utiliza da abordagem tradicional deste método de leitura. Não pretendo fazer uma avaliação completa desta tiragem histórica, pois afinal, teve a ver com aquele momento e com aquela pessoa que estava sendo atendida. Do mesmo modo que os arcanos de O Sol e da Rainha de copas não representariam para outra pessoa o que eu vi para para aquele meu cliente. Há um contexto de leitura, outros arcanos e casas relacionadas com outros arcanos envolvidos. Além disso, como ocorreu no caso da leitura de Pattie, tudo o que se sente é o que nos é inspirado naquele momento, e nada mais pode ser acrescido a ele. Enfim, cada leitura é única!
Quero apenas comentar o que a mim fez imenso sentido, a começar pela Rainha de ouros, uma mulher linda e sedutora, como também rica, abrindo a leitura. Ela está cruzada pelo 3 de espadas que normalmente representa dor, conflito e sofrimento íntimo dentro de uma perspectiva psicológica, por um lado, como também o enfrentamento de um destino inescapável, pesado e cheio de apreensão por outro. A sequência de O Diabo (magia negra/satanismo), O Hierofante invertido (ritos pervertidos), e A Torre (desastre) mostram bem o que se deu... O final não poderia ser mais aterrador, o 8 de espadas fala de um tormento prolongado, na maioria das vezes apenas moral e mental, mas Pattie com certeza percebeu nisso um prolongado tormento físico, como de fato foi o que aconteceu.
Leia também:
Estados Alterados de Consciência no Tarot



