terça-feira, 29 de outubro de 2024

Exercitando Imaginação, Escrita e Intuição

Uma leitura de tarot é, basicamente, a capacidade de imaginar e intuir o que as imagens estão nos dizendo, e narrar esta mensagem de forma clara e fluída. Há um exercício que ensino aos meus alunos com frequência, e que chamo de exercício imaginativo/criativo/intuitivo. Ele consiste em retirar cinco cartas, como os cinco atos do teatro grego, de preferência dos arcanos maiores caso ainda esteja se familiarizando com a linguagem do tarot. Em seu livro *Tarot For Your Self, Mary K. Greer sugere que a viagem de O Louco deve ser narrada como um conto de fadas, e propõe que se crie histórias a partir da sua viagem. Sugere também que os métodos de leitura podem ser usados como os trajetos por onde transcorrem essas histórias. Sugere, inclusive, que se utilize a Cruz Celta como um caminho para se compreender a sequência dos arcanos de naipe, um de cada vez, onde as cartas da Corte serviriam como os personagens dessas histórias. Acho isso, sinceramente, demasiado e com muitas possibilidades de erro para iniciantes! Eu prefiro uma iniciação com os arcanos maiores, que são a espinha dorsal da simbologia do tarot. Entender bem sua estrutura costuma facilitar a compreensão do oráculo como um todo, e praticar com poucas cartas ajuda em muito a desenvolver o poder de síntese numa leitura. Isso auxilia a se definir um caminho para se obter uma mensagem com a interpretação de uma ou duas cartas já abertas na mesa. O número de cinco é uma referência aos atos de uma peça teatral.  Sendo assim a primeira carta apresenta o contexto, a dois e a três mostra o conflito e o desenvolvimento da ação, respectivamente, e as cartas quatro e cinco apontam para o declínio e o fim da peça, com a apresentação do seu propósito ou significado. Mas se parece complicado demais esta ordenação esqueça tudo isto e simplesmente leia as cinco cartas num fluxo. A intenção é criar uma história que comece com “Era uma vez”, como sugere Greer. Então embaralhe o maço com os 22 trunfos e tenha sempre em mente que se trata de um exercício criativo/imaginativo/intuitivo, isso faz com que a imaginação fique descomprometida e livre! Quando achar que já é o suficiente retire cinco cartas do baralho e vá colocando-as uma a uma com as imagens para baixo, a seguir vire uma por uma, sempre dizendo ao abrir a primeira, Era uma vez...

Navegando pela vida com a sabedoria lunar,
imaginação, sonhos, e intuição

Segue abaixo um exemplo de uma prática recente que realizei. A aventura começa justamente com o arcano de O Louco: Era uma vez um jovem inexperiente e desorientado, totalmente sem rumo na sua jornada pessoal de crescimento. Um experimentalista em busca de sentido para sua própria jornada. A carta que surge a seguir é A Justiça e eu sigo, esse rapaz encontra uma mulher mais velha – considerei a imagem do arcano literalmente – ela é segura de si e de suas escolhas, muito racional e responsável. A próxima carta foi A Imperatriz, que revelou que no encontro dos dois há um cuidado e um respeito carinhoso que envolve admiração mútua, entre a liberdade e ousadia dele e o compromisso e a sobriedade dela. O aparecimento de A Temperança falou de uma sintonia alquímica entre eles, algo que transcendia a atração física ou as afinidades mentais entre ambos. Suas diferenças pareciam servir para complementar a vida um do outro; ao jovem a construção de um propósito, e à mulher séria uma oportunidade para apenas fazer e viver coisas sem uma meta definida, prática ou lucrativa que seja. A última carta do último ato foi O Mundo. Ao fim da jornada o jovem antes desorientado encontra seu lugar no mundo, e um lugar ao lado da sua benfeitora. O caminho de desorientação se transformou num encontro consigo mesmo, o fim da jornada revela seu propósito e o jovem inexperiente agora é um homem amadurecido que consegue entender a finalidade de tudo que viveu!

Desdobrando Interpretações 

com os Números

Agora veja como fica quando “brincamos” com os números fazendo a soma teosófica dos arcanos. O Louco, que é zero na sua simbologia, mas com valor 22 para efeitos de cálculo, é acrescido à Justiça 8, como é no original de Marselha e sem as deturpações de Waite. Somando 22 + 8 = 30 = 3 + 0 = 3. A Imperatriz já se mostrava regendo este encontro, a sua força amorosa rondava os dois. Agora somamos o valor de A Imperatriz a essa operação e 22 + 8 + 3 = 33 = 3 + 3 = 6. O sexto arcano, Os Amantes, confirma a conexão de amor e atração entre esse improvável casal! Seguindo na jornada arquetípica dos símbolos e números acrescentamos A Temperança a esta jornada e 22 + 8 + 3 + 14 = 47 = 4 + 7 = 11, A Força. O décimo primeiro arcano tanto confirma a intensidade química entre eles como também a intensidade da troca que envolve os outros planos da personalidade de ambos. Finalizando essa empreitada aritmética acrescentamos o último arcano dos cinco atos, e também da sequência dos arcanos maiores, O Mundo. Assim 22 + 8 + 3 + 14 + 21 = 68 = 6 + 8 = 14, A Temperança outra vez. Considero este um arcano que implica influências superiores do ponto de vista consciencial. Ao que parece desde o começo o encontro dos dois seria marcado por uma conexão maior e mais profunda. Somando a cifra deste arcano 1 + 4 = 5, encontramos O Hierofante. Para muitos intérpretes do tarot ele representa um casamento, para outros uma presença que simboliza exemplo e realização, como um mestre ou professor, e a mulher representada na figura de A Justiça parece ter mesmo cumprido este papel na vida do jovem. Inversamente ele também o fez, embora de maneira não tão óbvia.

Introduzindo os Arcanos Menores

As cartas de naipe, enriquecendo as leituras.

Utilizar todas as ferramentas arquetípicas que o arcabouço simbólico do tarot proporciona é, com frequência, muito enriquecedor! Os números são os mais óbvios componentes desse rico universos de imagens profundas dos arcanos, sobretudo nos arcanos maiores. Curiosamente muitas pessoas se sentem intimidadas com a estrutura das cartas de naipe. Parece muita coisa num primeiro momento, e de fato é! Sua estrutura acrescenta ricos detalhes à leitura, tanto práticos quando psicológicos, e merecem ser considerados! Existe também aqueles que se detém exclusivamente nos arcanos maiores para a aplicação oracular do tarot, uma escolha que não diminui o trabalho de ninguém, mas que a meu ver exclui grandes possibilidades. Acrescente os arcanos menores aos poucos, um naipe de cada vez começando pelo de sua preferência. Recomendo também misturá-los, ao invés de ler aos pares, o que torna a interpretação muito mais enxuta, objetiva e direta. A seguir outro exemplo desse exercício nas minhas práticas pessoais onde as cartas de naipe foram introduzidas juntamente com os arcanos maiores. Abrindo o primeiro ato a carta do 5 de copas assinala uma dolorosa perda afetiva que a pessoa em questão estava passando, e sem muitas perspectivas de como sair desse lugar. O arcano seguinte, Ás de espadas, revelou que uma poderosa força racionalizada e decisiva irrompeu da sua consciência. A postura de vítima, ou de “afetada” pelo cataclismo foi deixada diante da decisão recém incorporada. A Rainha de paus, a cuidadora amorosa e gentil, a fomentadora dos vínculos de um grupo ou família, aparece deixando claro que esta mulher (na minha imaginação faz mais sentido ser uma) decidiu que vai cuidar daqueles que ama e que ficaram de fora desse evento, ou que restaram dele! O arcano de O Imperador mostra que essa postura trouxe uma nova fase de estabilização em todos os níveis para nossa heroína, assentada em sua anima interior, e o surgimento de uma poderosa figura masculina com quem cria uma parceria de grande contribuição ao seu desenvolvimento, e com uma presença transformadora. A carta final de A Roda da Fortuna mostrou a virada que este encontro trouxe para ambos, e a inauguração de um nível superior de compreensão e atuação diante das mazelas da vida que nossa rainha enfrentou.

Exercitando a Escrita

Na sua obra Greer sugere a utilização da escrita criativa com os arcanos do tarot, se utilizando das cartas para escrever poemas ou pequenas crônicas inspiradas em suas poderosas imagens, e apresenta uma série de criações literárias, suas e de outras pessoas. Eu mesmo tenho alguns poemas inspirados nos arcanos do tarot e é de fato um exercício muito rico de estímulo à criatividade e à imaginação. Como já disse antes imaginar é uma habilidade fundamental para uma leitura de tarot realmente efetiva. Se tem pouca, ou nenhuma aptidão literária eu sugiro que comece escrevendo, simples e despretensiosamente, o que sente sobre a carta que escolheu e os sentimentos e pensamentos que lhe transmitem seus contornos e detalhes simbólicos. Guarde seus escritos, evite criticá-los, eles podem ser uma ferramenta poderosa para mostrar com o tempo o quanto sabia sem saber ou mesmo o quanto sua percepção e compreensão dos arcanos cresceu com o passar dos anos. Essas viagens criativas com o tarot são simplesmente fascinantes e ricas, se estiver com disposição para empreender este mergulho.

Escrever poemas, crônicas e ou anotar as interpretações
dadas nos exercícios criativos/imaginativos/intuitivos amplia
tanto imaginação quanto intuição, vocabulário e dialética.

Outra forma de conectar seus exercícios imaginativos à uma melhor absorção dos significados dos arcanos é escrever suas histórias. Assim que abrir os cinco atos fale em voz alta a sua interpretação imaginativa, em seguida anote o que acabou de ler num caderno. Não se surpreenda se novos detalhes saltarem à mente, inclua-os. Procure sempre usar palavras novas para expressar uma mesma ideia em narrativas diferentes, riqueza de vocabulário é fundamental. Pesquise em dicionários ou no Google sobre as expressões que deseja utilizar. Erroneamente acreditamos que a intuição não pode ser aumentada ou amparada por outras formas de saber. Conheci ao longo da minha vida inúmeras cartomantes incrivelmente intuitivas que, porém, tinham de fazer um esforço enorme para expressar o que captavam com suas cartas, e muitas não conseguiam. Só depois que alguns eventos se confirmavam é que eu ficava sabendo de fato do que se tratava suas visões. Os tempos mudaram, parecer ignorante não é mais visto como bonitinho ou inocente. Refine-se, tanto na sua capacidade intuitiva superior quanto na sua capacidade imaginativa e de riqueza de vocabulário! O tarot é um caminho de transformação para quem procura sua sabedoria, seja como consulente ou como aprendiz, e quem perde isso perdeu uma linda viagem.

*Tarot for Your Self, a Workbook for Personal Transformation.
Carmel (USA). Newcastle, 1984.