Eis uma prática bem usual
nas leituras de tarot, e que ainda assim pode ser vista sob uma perspectiva bem
enganosa. Podemos perguntar qualquer coisa ao tarot? Sim, minha experiência tem
mostrado que sim. *Hajo Banzhaf diz que qualquer pergunta pode ser formulada às
cartas, mas assinala também que uma coisa que o tarot não pode fazer é
responder sucintamente SIM ou NÃO a uma indagação. Pois que seu simbolismo sempre
se desdobra em reflexões ou revelações de motivos ou sentimentos subjacentes às
vivências do momento. Eu concordo, mas o que aparentemente soa como uma
limitação, a mim parece mesmo uma boa vantagem.
Há necessidade de
formular com clareza uma pergunta ao tarot? Bem, aí começa um ponto que
controvérsias se farão presentes. Uns dirão que não há necessidade disso, de
que a inteligência que opera no tarot é a da Inconsciente Coletivo, e de que
tudo está revelado em algum nível da consciência (ou do subconsciente) de quem
indaga ao oráculo! Em parte concordo com tudo isso, porém, destaco dois fatores
bem importantes: 1º) É preciso que o consulente exerça sua confiança no leitor,
este também é um trabalho de entrega do consulente, e um tempo para ele ouvir a
si mesmo, e é no momento de trazer as perguntas que essa ouvidoria própria se dá.
2º) É fundamental que o intérprete dos arcanos exercite a sua percepção
intuitiva, aliando-a a tudo o que ele estudou ao longo de sua jornada formativa,
simples assim! Faz-se fundamental que ele ajuste a pergunta ao simbolismo dos
arcanos retirados no processo, e os conecte intuitivamente ao significado das
casas das diferentes disposições que são utilizadas à medida que a entrevista avança. Cada disposição escolhida representa o aprofundamento numa
questão, seja de autoconhecimento, prognósticos, orientação estratégica e
aconselhamento, relacionamentos etc. Costumo dizer que nas minhas consultas
vale a regra: quanto mais precisa a pergunta, mais precisa a resposta. Por
outro alado, quando mais ampla a questão formulada tanto mais ampla, e,
portanto difusa, será a resposta obtida.
Certa vez fui chamado
para fazer um evento esotérico num clube grande da cidade, era um sábado
inteiro de atividades, e com a presença de profissionais de várias áreas do
holismo e da interpretação de oráculos. Como não podia estar presente recusei,
mas a organizadora que contatou comigo perguntou se eu tinha alguém de minha
confiança que pudesse indicar, e eu o fiz. Tinha um aluno meu com longos anos de estudo da tarologia, antes mesmo de fazer um curso comigo, e que estava mais do que
disposto a testar suas habilidades interpretativas com pessoas totalmente
estranhas num evento como esse. Ele aceitou de pronto, e ao retornar perguntei
como havia sido a experiência. Parecia bem frustrado, e confessou que achava
não ter feito um bom trabalho. Trouxe o relato de uma senhora que pediu para
ele abrir os arcanos porque ela queria saber dos filhos. Ele então pediu para
ela tirar as cartas e quando abriu a leitura disse que claramente o tarot
indicava que aquela mulher estava vivendo demais a vida dos filhos, e que estava
na hora de voltar-se mais para sua própria vida e ocupar-se de si. Prontamente a senhora
reagiu dizendo: “Mas não foi isso que perguntei!”.
A Cruz Celta, um método bem flexível, que tanto serve para leitura geral, quanto para responder questões formuladas ao tarot. |
Entendem o que digo quanto a
importância de se deixar bem claro o que se deseja saber? Eu o confortei
dizendo que na verdade ele tinha feito, muito provavelmente, uma leitura bem
acertada. Convenhamos que não estava evidente o que ela queria saber, e ao
deixar ampliada a sua pergunta ela acabou abrindo espaço para que a sabedoria
do seu inconsciente se manifestasse, e ela ouviu o que precisava e não o que
queria! E, quase sempre, o que se precisa ouvir não corresponde exatamente ao
que se quer ouvir! A necessidade de se dirigir objetivamente ao um oráculo
parece bem clara para mim. A dubiedade que algumas pessoas dizem haver nos oráculos,
e imortalizada na obra MacBeth de William Shakespeare, mora na verdade é dentro
de quem formula a pergunta e não de quem responde, desde que seja este alguém
realmente talhado e experimentado nesse ofício. Somos intérpretes, lemos o que
se apresenta, e exatamente por isso que devemos orientar as pessoas que nos procuram a
como formular uma questão ao tarot. Muitas vezes só cabe mesmo uma avaliação
mais panorâmica, tipo ver o plano geral de um setor da vida. Isso ajuda a se
ter uma ideia abrangente de onde a pessoa veio e para onde se dirige em linhas
gerais. Algo como saber a situação da vida econômica e ou financeira etc. Entretanto,
ao se buscar orientações estratégicas ou de autoconhecimento para se lidar com
as situações, é importante que se seja claro e, mais ainda, específico!
Testando o Tarot
Algumas pessoas têm por
hábito testar as próprias habilidades interpretativas de ler tarot com um
estranho teste. Costumam pedir para que amigos e pessoas de sua convivência
formulem perguntas mentalmente, mas sem lhes dizer do que se trata, a partir
disso pedem para se retirar algumas cartas, algo entre 1 e 3. Passam então a
interpretar a simbologia dos arcanos em suas combinações, enquanto aquele que faz a consulta
fica encaixando o que é dito com o que de fato acontece na sua vida, ou de como
percebe o momento e os possíveis desenlaces. Algumas vezes isso funciona tão
precisamente que assusta a todos, outras vezes ficam com a sensação de que
chegou bem perto, o que também soa de modo espantoso! Não vejo nenhuma vantagem
nesse processo, ao contrario! Vejo muitas desvantagens. A primeira delas é que o
leitor fica tateando no escuro, dissertando sobre os muitos possíveis
significados da carta na posição em que caiu, sem exercitar aquele encaixe
intuitivo do arcano com sua posição no jogo, e mais as próprias percepções
intuitivas do tarólogo. Isso é a arte de ler tarot. Sem falar que a tentação de
se deixar a tarologia de lado para se utilizar da “achologia” é bem grande! Logo
se começa a querer encaixar coisas que se sabe sobre a pessoa em consulta, ainda
que vagas, com o significado das cartas... Ou seja, um lado embusteiro da personalidade
pode se manifestar, ainda que de modo inconsciente! Outro aspecto que considero
potencialmente perigoso é o de deixar que aquele que se consulta encaixe ao seu
bel prazer e disposição as respostas obtidas. As pessoas possuem a tendência a
direcionar informações subjetivas conforme suas próprias crenças. Essa prática
pode facilitar em muito a projeção de fantasias escapistas,
autoengrandecedoras, ou mesmo mórbidas nas respostas. O leitor, por não saber o que
foi perguntado, deixa livre o campo da fantasia e das invencionices do
ego para se manifestarem na consulta...
*As Chaves do Tarot,
Editora Pensamento.
São Paulo, 1993.
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