Foi Arthur Edward Waite que ao lançar em 1910 o seu Rider-Waite, quem insinuou nas imagens desenhadas por Pamela Colman Smith sob sua orientação, que havia um caminho
evolutivo dentro dos arcanos numerados de 1 a 10 de cada naipe. Não há como
saber se isso foi consciente ou não, mas com certeza foi uma contribuição de
imensa importância para o estudo, o desenvolvimento e a compreensão da
tarologia como um todo. Igualmente importante, embora menos valorizada, foi a
contribuição da parceria entre a taróloga Juliet
Sharman-Burke e a astróloga Liz Greene. Setenta e seis anos após o lançamento do tarot
Rider elas "explicitaram", por assim dizer, a existência de uma clara
sequência evolutiva ao criar uma correspondência mitológica entre cada um dos quatro naipes do tarot com a viagem mítica de diferentes heróis gregos em seu Tarot Mitológico de 1986, com
imagens de Tricia Newell.
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A Viagem de O Louco continua nas cartas numeradas dos arcanos menores (O Louco - Dioniso - do Tarot Mitológico). |
Assim
como nos arcanos maiores, onde revela-se claramente uma viagem evolutiva da
consciência ao percorrer os 22 trunfos, que representam as experiências arquetípicas fundamentais da alma, também nas cartas numeradas dos quatro
naipes ocorre uma jornada evolutiva dentro do escopo de experiências
delimitadas por suas atribuições no mundo prático, em sua busca por manifestação na sequência de 1 a 10.
Sendo 1 a vibração mais livre e
expansiva e 10 a mais densa e condensada, veremos que os naipes de
elementos yang ou
masculinos, paus/fogo e espadas/ar, terminam suas jornadas de forma mais
dramática, pois que suas naturezas voláteis requerem uma dinâmica e renovação
constantes. Já os naipes que correspondem a elementos yn ou femininos, copas/água e
ouros/terra, encerram suas trajetórias harmoniosamente, pois que suas naturezas
mais plásticas e densas se coadunam melhor com o processo de manifestação, realização e estabilização.
Em paus vemos a força da ação
criativa. Em copas a vivência dos sentimentos e da espiritualidade humana. Em
espadas a busca pela verdade, e o confronto com inúmeros contraditórios nessa busca. Em ouros vemos o envolvimento com o mundo físico e dos
sentidos, e o desenvolvimento dentro daquilo que conhecemos como a realidade!
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O Às de paus (A Fonte), do Osho Zen tarot. |
O baralho que, na minha opinião,
melhor expressa as qualidades criativas e lúdicas do naipe de paus, regido pelo
fogo, é o Tarot Zen de Ma Deva Padma. Inclusive nesse baralho o naipe de paus
se chama “Fogo”.
A expressão do mundo criativo
irrompe furiosamente no Às de paus, lançando luz, força e energia para todos os
lados. Renovando, iluminando e revitalizando tudo! A partir do 2 de paus essa
energia saturada de si mesma, procura uma atuação mais específica onde possa
descarregar sua força acumulada. No 3 de paus essa força, plena e confiante de
si mesma, começa a fazer experimentos testando a si e seus limites. No 4 de
paus a energia criativa busca apoio e complementação para que possa se
expressar harmoniosamente, mas acaba encontrando as frustrações naturais de
todo processo criativo no 5 de paus, o que pode bloquear o processo, embora na
maioria das vezes só o que faz é atrasar um pouco.
No 6 de paus a vitória se dá, a força
criativa atinge seu ápice, e o reconhecimento inevitável por todo o empenho realizado vem intensa
e naturalmente... Um momento de puro regozijo! Mas a força dinâmica do fogo não
para! Sua atuação segue adiante e no 7 de paus há o apelo para superar os próprios feitos, investir com toda a força, e nessa postura logo se chega aos limites de suas próprias forças, causando estresse e gerando um energia bruta que todos percebem, mas
que poucos apreciam! De repente no 8 de paus o mecanismo criativo ilumina a si
mesmo, e o que vemos é um súbito esclarecimento que faz sumir toda a tensão,
traz um reconhecimento interno do extremo da própria situação mudando perspectivas ou a realidade externa, ou a ambos.
Chegamos então
ao 9 de paus, ou seja, uma completa exaustão das forças vitais, uma percepção
de “eu não aguento mais”, embora ao redor tudo continue exigindo o emprego de grandes
quantidades de energia... No 10 de paus não há mais possibilidades de se seguir
adiante, a força criativa extingue a si mesma, pois como no movimento de A Roda
da Fortuna, a roda do tempo girou e a contribuição de cada um foi dada, agora abre-se
espaço para que outras formas de expressão e criação se manifestem e sigam o
mesmo itinerário que se seguiu, retornando a força pujante e renovadora do Às de paus.
Naipe de Copas
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O 3 de copas, do Rider-Waite. |
Aqui eu percebo que a natureza
emocional do naipe de copas foi bem captada pelo Rider-Waite Tarot, já a natureza
mística desse naipe regido pela água, foi mais bem captada tanto pelo Tarot Zen
quanto pelo Motherpeace Tarot.
No naipe de copas a força do sentimento
mais profundo se esparrama sobre toda a criação, no Às de copas um místico
sentimento de comunhão com toda a humanidade, a vida, os seres vivos, ou o
propósito de uma atividade se dá (o encontro da vocação da alma), sem nenhuma
necessidade de reconhecimento exterior. Só o que se sente basta. Nas experiências
espirituais mais profundas esse sentimento de comunhão acontece em todos os níveis
antes citados, e um canal de conexão com forças espirituais superiores se abre... No 2 de
copas esse amor transbordante se polariza para que seja vivido no âmbito mais
mundano e terreno do amor recíproco e companheiro, e assim chega-se ao 3 de
copas com a sensação de que a vida é só júbilo, tudo o que nos vem é grato, e
celebra-se todos os resultados por mais simplórios que pareçam aos olhos
alheios. Mas, como o movimento da água é para baixo e para o centro, no 4 de
copas nos recolhemos com nossos sentimentos como numa profunda meditação, e nos
purificamos das influências exteriores. E então, subitamente percebemos que
tudo que vivemos até aquele momento ou não representa mais nada, ou não traz
mais satisfação, e despertamos desapontados no 5 de copas.
Dentro da natureza
da água sonhar e rememorar é inevitável, e passamos a idealizar um outro encontro
ou a alegria em algo vindouro, mas com as expectativas do passado, e esse é o mundo
do 6 de copas. Então, no 7 de copas, nossa busca por prazer e alegria nos leva
a um mundo de confusões emocionais, buscas ilusórias e muitas vezes escapistas, falta de perspectiva e
direcionamento, quando não de vícios e devassidão.
Na dimensão lúcida do 8 de copas,
assim como no arcano de A Justiça, despertamos para o que realmente estamos
fazendo, e saímos em busca de algo que faça mais sentido e que soe mais
verdadeiro a nossa alma, o que poderá envolver, ou não, algum sofrimento. Isso depende
do nível de envolvimento com as ilusões vividas.
No 9 de copas reconhecemos
então que tudo o que precisamos sempre esteve ao nosso alcance, e que podemos
desfrutar de tudo desde que não tentemos nos apegar a nada, entendendo que a
evolução continua e que muitos mundos esperam por nós. Assim evitamos a
indolência, vício típico do elemento água. Então encontramos a experiência de
máxima satisfação e reconhecimento interior do 10 de copas, onde reconhecemos que toda a felicidade no aqui e no agora. A dualidade cessa, e estamos plenos na situação em que nos encontramos, como um Mestre em seu Nirvana.
Naipe de Espadas
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O 10 de espadas (Ruína), do Thoth tarot. |
Tanto o Thoth Tarot de Aleister Crowley, quanto o Rider Waite, mostram muito bem como a mente opera em sua busca pela verdade, e no exercício da
vontade e do arbítrio para empreender tal busca.
No mundo dual e conflituoso da mente,
o Às de espadas traz um reconhecimento súbito, mas profundo, da verdade. Todas as
dúvidas se dissipam e avançamos com ela como um sol a nos guiar em
meio à escuridão. Clareza e perfeição sem máculas emanam de nossa consciência. Entretanto,
como permanecer nesse nível, e em perfeita harmonia com ele, é para uns poucos iluminados,
a dualidade da mente emerge no 2 de espadas se perguntando: “será mesmo?”. A verdade pessoal ao se confrontar com a do outro se estilhaça, ou pelo menos se
divide em duas partes, e requer remissão e decisão. No 3 de espadas o impasse não pode
mais ser protelado, e somos compelidos a agir segundo a nova perspectiva que se apresenta,
o que sempre é doloroso! Não se abandona um aspecto da verdade que serviu como guia sem se viver
uma espécie de luto... E no 4 de espadas a mente precisa de repouso e reflexão,
como um doente convalescendo, ou alguém que se recupera de um luto... Dividir e comparar é da
natureza da mente, e nesse momento de reflexão emerge o arcano do 5 de espadas,
onde comparamos nossos resultados com os de outras pessoas, ou os nossos próprios planos e as expectativas criadas com o que de fato conseguimos realizar, e muitas vezes a sensação é de derrota pessoal e
tempo perdido. Por ser muito influenciada pelo meio em que vive, a mente muitas
vezes escolhe a opção de servir às demandas exteriores e se sobrecarrega de
responsabilidades que imagina serem suas, o que faz a experiência do 6 de espadas ser sufocante.
No 7 de espadas já não somos mais nós mesmos, mas um
acúmulo de papéis sociais e conquistas que visam manter uma posição de status,
muitas vezes forjada com mentiras, e tendo como válvula de escape uma vida
secreta mantida com constrangimento. A lucidez se debate no 8 de espadas entre tudo o que considerou-se verdadeiro até o momento, autocobranças e autocríticas
fazem-nos sentirmos culpados por não termos vivido nossas vidas por um lado, e
por outro por ter de abandonar tudo e todos que nos seguiram na senda trilhada
até o momento. No 9 de espadas não há uma solução clara para o impasse, é
preciso mergulhar na dor para encontrar nela o antídoto contra o veneno que nós
mesmos criamos.
Por fim, no 10 de espadas, a morte dos conceitos seguidos é
inevitável! A mente anseia por renovar a si mesma, pois a sua busca é pela
verdade, uma verdade que possibilite uma explicação para a vida! Por isso seus
processos serem sempre tortuosos e dilacerantes, pois a mente cria mecanismos e
se apega a eles, e assim é até que as dúvidas dilacerantes cessem e a mente
iluminada se abasteça de si mesma, leve e flexível, observando o fluxo do todo ao retornar e permanecer na clareza do Às de espadas!
Naipe de Ouros
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O 9 de ouros (O Zênite), do Tarot of the Spirit. |
Tanto Crowley quanto Waite trabalham
neste naipe a ideia de trabalho e construção, bem como da ciclicidade da terra, enquanto as autoras Pamela Eakins
em seu Tarot of the Spirit, Vicki Noble em seu Motherpeace Tarot, e Ma Deva
Padma em seu Tarot Zen, trabalham o conceito de que neste mundo, e na comunhão
com ele, é que se dá todo o desenvolvimento e amadurecimento da jornada espiritual.
A natureza da terra é concreta e
cíclica, além de cheia de possibilidades, e no Às de ouros as possibilidades guardadas
dentro de nós mesmos (a terra de nossas vidas) se expressam fluentemente, e
tornam possíveis a concretização de qualquer coisa! Mas, lembrando que a natureza
da terra e da realidade são cíclicas, o 2 de ouros vem nos mostrar que
adaptabilidade à vida e aos ciclos da vida e da natureza são fundamentais. O que
não significa abandonar conceitos e valores próprios, mas adaptá-los para se
extrair o máximo de cada experiência e de nós mesmos.
Com isso a dimensão do
progresso, do crescimento, e da construção sólida e precisa se manifesta no 3
de ouros, e avançamos em sintonia com os ritmos da terra e da existência, e totalmente guiados por esses ritmos. Então encontramos no 4 de ouros a maravilhosa
sensação de segurança que nossa criança interna tanto necessita, mas quase que invariavelmente
essa segurança torna-se excludente, pois nos apegamos a ela, e evitamos a aproximação de outros que possam
ameaçar ou roubar o que conquistamos. Passamos então a sentir muito medo. A vida é dinâmica, e a segurança de todos os 4 é uma ameaça a esse dinamismo. É preciso avançar! Logo entramos no 5 de ouros e podemos viver um inexplicável sentimento de menos valia, como se tudo o que somos só
tivesse sentido pelo que possuímos. Se não se possui nada ou muito pouco então,
isso só se agrava. E se perdemos tudo o que conquistamos passamos a ver a nós
mesmos como uma criatura de menor importância e de pouco merecimento...
No 6 de ouros aprendemos então a fazer concessões, a ver outras
perspectivas, a ouvir quem não ouvíamos, e se isso for verdadeiro, e não uma
manobra para a aceitação dos outros, então é simplesmente transformador. Entramos na
dimensão do 7 de ouros onde entendemos que tudo tem um ritmo próprio, uma hora
certa para tudo, inclusive nós mesmos, e que não chegamos a lugar algum
avançando sobre esses ritmos. Como todos os 7 têm uma propensão ao exagero, a condescendência
permissiva é uma perigosa possibilidade!
Na dimensão lúcida do 8 de ouros o trabalho de
reconstrução de si mesmo recomeça, com a simplicidade do “menos é mais”, com a disposição
de reaprender com toda a humildade e devoção... Há, porém, o risco da subserviência, o
que pode fazer com que o discípulo nem perceba quando já tiver se transformado num
Mestre. No 9 de ouros, a consciência brilha com tudo o que amadureceu ao longo
da sua jornada, houve grandes vitórias sobre si mesmo. Não somos mais vistos como uma
estrela ou um fenômeno como no 6 de paus, mas como um Mestre ou um Sábio
reconhecido que viveu e venceu a luta contra o pequeno “eu”.
No 10 de ouros a
consciência agora sabe que é a cocriadora da vida, e que pode manifestar o que desejar sem ignorar a natureza
divina de tudo, nem as leis naturais, mas em sintonia com essas forças,
fluindo com seus ciclos e em sintonia com suas essências. Descobre-se então que
Deus/Consciência/Natureza são a trindade de que falam os mitos de todas as grandes civilizações, e as divindades de todas as religiões do homem!
Leia também:
O Naipe de Paus - A Energia do Fogo
O Naipe de Copas - A Sensibilidade da Água
O Naipe de Espadas - A Inteligência do Ar
O Naipe de Ouros - O Poder da Terra