A Carta Significadora, ou Carta Testemunha, é um representante simbólico do consulente na mesa, e um guia para o leitor. Esta carta é escolhida dentre as cartas da realeza dos arcanos menores, e é complementada ao sistema de leitura selecionado. Se utilizar o sistema da Cruz Celta, ela deverá ser adicionada às dez cartas escolhidas pelo consulente. Assim é possível saber sobre os traços de personalidade mais em evidência no momento de quem vem buscar a orientação dos arcanos. Para aquele que indaga o oráculo essa é uma oportunidade de autoconhecimento, de ver a si mesmo sob outra perspectiva, em manifestações muitas vezes inconscientes dentro das circunstâncias que o envolvem, e o desafiam de algum modo. Um cliente representado pelo Rei de paus, por exemplo, pode estar num estado de espírito positivo, progressista e diligente. Uma mulher representada pela Rainha de copas pode estar denotando um momento de mais sintonia com os seus sentimentos, e a busca por um alinhamento interior, de bem-estar e conexão íntima com o que está se vivendo, mais do que de valorização de aspectos extrínsecos como a busca por vantagens materiais ou estratégicas. A questão seguinte é: como se faz a escolha da Carta Significadora? Os métodos tradicionais separavam os reis para os homens e a as rainhas para as mulheres. Essa escola era muito focada, em princípio, na descrição da aparência física do consulente. Uma forma de atrair, através da imagem, a força e a presença do cliente para a leitura em si. Isso fica bem claro em obras clássicas como O Tarot Adivinhatório (1909), de Papus, onde as características físicas como cor do cabelo e provável posição social que ocupa reis e rainhas é escrita em cada carta. Com o tempo a descrição dos aspectos psicológicos passou a ter preponderância, justamente por permitir vislumbrar as motivações e possíveis expectativas que cada pessoa traz para a sessão de leitura de tarot.
O modo de se fazer esta escolha também passou por uma evolução. Se anteriormente as figuras dos reis eram naturalmente escolhidas para representar homens e as rainhas as mulheres, hoje isso se amplificou! Neste sentido uma das visões que mais aprecio é a de Gail Fairfield em seu livro Choice Centered Tarot (1982) que sustenta que qualquer uma das dezesseis cartas da corte pode representar pessoas de ambos os sexos. Isso faz muito mais sentido dentro de tudo que sabemos sobre psicologia humana. Um homem pode ter dentro de si uma atuação mais marcante da sua porção feminina (a anima, como definiu Jung) e assim expressar o arcano de uma rainha, da mesma forma uma mulher pode estar mais intensamente envolvida com a porção masculina da sua psique (o animus) e assim expressar as qualidades dos reis do tarot. Ambos por sua vez podem ativar o arquétipo do guerreiro dentro de si, e um cavaleiro se apresentar como a carta significadora neste caso. Da mesma forma a criança interior de homens e mulheres pode se evidenciar num momento de muita criatividade, necessidade de atuação, aventura, leveza ou imaginação, e um valete (ou pajem) ser um melhor representante na leitura. Lembrando que quem decide isso é a sincronicidade! As cartas da corte devem estar previamente separadas, em seguida embaralhadas e abertas em leque para que o consulente escolha uma. Esta carta é o espelho do momento de quem vem consultar as cartas, pode se falar sobre ela. Se preferir, pode indagar ao próprio consulente, depois de explanar seu simbolismo, sobre como ele mesmo sente o arcano, impressões e sentimentos que sua imagem evoca em si.
O Rei de paus do Tarot Adivinhatório, de Papus: "Chefe masculino; Homem de vontade e empreendimento; Homem castanho". |
Existem outras possibilidades de escolha da Carta Significadora. Um método astrológico é utilizado por alguns tarólogos. Sua aplicação mais simples é a de combinar o signo solar de uma pessoa ao seu ascendente. Assim sendo um indivíduo do signo de Áries com ascendente em Peixes teria como arquétipo um Cavaleiro de copas. Essa escolha segue a relação entre os elementos que compõem cada um dos arcanos da realeza, segundo a regência astrológica estabelecida na Ordem Hermética da Aurora Dourada, a Golden Dawn. Já tratei aqui dessa tabela nos meus textos sobre os arcanos menores. Existem variações ainda mais complexas sobre este método astrológico de escolha desta carta na mesa. Para mim todos eles são inválidos e totalmente fora da própria natureza da tarologia! O tarot é um instrumento de avaliação do momento, e de possíveis influências do passado, tanto quanto de sondagem de prognósticos futuros. Seres humanos apresentam diferentes reações a eventos similares entre si. A mesma pessoa pode ter comportamentos diferentes dentro de situações semelhantes em momentos diferentes, porque é da natureza humana amadurecermos e aprendermos com nossas experiências, ainda mais quando compreendemos que elas representam um desafio ao nosso crescimento pessoal em algum momento. Sendo assim, não vejo sentido nenhum em a mesma carta sempre representar a mesma pessoa em situações diversas. Isso é estanque demais! O tarot é um reflexo dinâmico de uma personalidade em movimento e evolução, essa é a a sua essência. A astrologia é um estudo da proposta do Ser, o tarot do Estar, como definiu muito bem Nei Naiff em se livro Tarot, Ocultismo e Modernidade (2006). Além do que é muito estranho o consulente não participar dessa seleção, afinal o objetivo da Carta Significadora é desvendar o que ele traz, consciente ou inconscientemente, para as demandas do seu momento e de que modo isso interfere, ou não, nos eventos.
Eu já me utilizei do recurso da Carta Significadora nas minhas leituras, e com o tempo a deixei. Senti ao longo da minha jornada com os arcanos que deveria experienciar todas as suas possibilidades. Não senti necessidade de seguir com este recurso, porém há quem o utilize como uma prática usual em suas leituras. Trata-se não só de técnica e estilo, mas também de percepção pessoal e intuitiva de que informações são necessárias para aquilo que se entende como uma leitura bem-feita, com profundidade e consistência. Faça a sua experiência!