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O Diabo XV, Condicionamento,
do Osho Zen tarot
de Ma Deva Padma. |
Por mais que se tenha explicado
isso, e por mais irritante que seja essa pergunta, ainda há aqueles que a façam, e
mais do que isto, a fazem com ares professorais! Como se quem não soubesse de
nada é quem está sendo inquirido! Embora essa pergunta impertinente pareça merecer uma resposta assertiva do tipo: "O que interessa que baralho eu uso se afinal quem vai fazer a leitura sou eu?", a questão é mais profunda. Bem, então vamos lá... Exploro esse tema
melhor no meu livro Tarot para a Autotransformação e a Cura, mas posso começar dizendo que todos os baralhos
de tarot se originam de um mesmo baralho, concebido provavelmente na Idade Média,
e que representava toda a sociedade e o mundo da época. Essa despretensão em tornar
esse baralho um oráculo fez com que ele funcionasse como um instrumento
projetivo das imagens do inconsciente de toda a humanidade em todos os tempos! O
tarot de Marselha é o remanescente mais próximo desse conceito original de todos
os baralhos que vieram a seguir. Mais adiante suas imagens foram “modernizadas”
e também a expressão do seu simbolismo.
Por
um lado esse movimento ajuda a tirar do tarot os ares obscuros a que ele vinha
sendo associado nos séculos anteriores, mas mudou muito da sua representação. Os
autores ao enfatizar os significados aos quais eram mais simpáticos mudavam
também sua representação artística. O que acabou fazendo com que muitos baralhos
ao serem comparados entre si, ou a uma imagem clássica do tarot, não lembrassem
em nada seu ancestral da Idade Média. Com a demanda do mercado por cada vez mais novidades
na área da tarologia, que teve uma explosão nos anos 70 e 80 do século XX, aparecem os baralhos temáticos e multiculturais como o Xultún, o primeiro
transcultural na verdade, o Mitológico, o Nórdico, Xamânicos de toda a espécie,
Xintoísta, etc. Os livreiros para venderem seus produtos começam a descrever na
capa de apresentação dos seus lançamentos coisas como: “O verdadeiro tarot da
tradição”, “Um jogo transcendental”, “O tarot sagrado da Deusa”, e coisas
assim. Aumentando ainda mais a confusão na cabeça de leigos tanto quanto na dos
interessados no tema. Dias desses uma mulher me ligou pedindo informações sobre
meus atendimentos (embora esteja tudo explicado no meu blog na página “Consultas”).
Na verdade ela queria saber qual o baralho que eu usava nas minhas sessões. Respondi
que usava já há muitos anos o tarot Zen, ao que ela complementou, “do Osho”? Sim
respondi, ela seguiu com seu desfile de ignorância, mas com a entonação de uma grande conhecedora: “Mas esse tarot é mais para reflexão, não é? Não trabalha
com o Crowley?”. Respirei fundo e tentei explicar para ela que eu já tinha trabalhado
com uma miríade de baralhos diferentes, e que isso não interferia na leitura. Ela
concluiu com um ar jocoso dizendo: “Ah tá, depois te ligo então pra marcar”. E
nunca mais! O mesmo tarot de Crowley que ela preferia é justo um dos que tem
mais resistência das pessoas pelo mesmo tipo de ignorância quanto à linguagem
simbólica.
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O Thoth tarot, alvo constante tanto de ataques quando de adoração... Ambas reações exageradas! |
Conversando com uma pessoa interessada em tarot ela me disse que se
sentia muito atraída por esse baralho, mas que amigos e conhecidos diziam para
ela o evitar porque ele era denso, que o mago que o fez era um louco, viciado e
devasso, e de fato era! Mas e daí? Todos os símbolos que compõem o Thoth tarot
de Aleister Crowley não são dele. Crowley parecia obcecado pela ideia da grande
Besta e das sombras, todos conceitos que nasceram com o monoteísmo e com a
Inquisição. Os símbolos do pentagrama, dos chifres e do cetro, por exemplo, que
aprecem inúmeras vezes nesse tarot, são pré-cristãos e, portanto, politeístas. Foram
os inquisidores que viram no pentagrama invertido os chifres do diabo. Muito antes disso Pitágoras
via nesse mesmo símbolo o homem em desequilíbrio. O que Crowley fez foi dar a
sua visão sobre esse símbolo, o que não o limita de modo algum. Isso é impossível!
O inconsciente reconhece os seus símbolos e responde a eles. O que pode ocorrer
é o leitor se limitar por sua própria consciência obstruída por seus conceitos
críticos equivocados, o que já não tem nada a ver com a tarologia!
A Linguagem Simbólica
em sua Totalidade
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A liberdade artística na criação de baralhos foi tão longe que muitos não lembram em nada o simbolismo original do tarot como este: A Sacerdotisa II,
do Wooden tarot de A.L. Swartz. |
No Osho Zen tarot sua criadora, Ma
Deva Padma, apresenta o arcano de O Diabo como um leão com pele de ovelha. Essa
imagem se refere a uma antiga história zen em que um leão é criado com um rebanho
de ovelhas e assim vive por anos, até que um dia um leão mais velho vendo
aquilo se choca. Avança sobre aquele iludido que berra como uma ovelha
assustada. O leão velho então o coloca de cara a um espelho d’água e o faz
olhar para seu reflexo, dizendo: “Olha, você é isso, um leão! Não uma ovelha!”.
Essa história alude aos condicionamentos em que muitos vivem, negando sua real
natureza e potencial intrínsecos. Uma linda história e simbologia que nos faz
ver que O Diabo do tarot tradicional também tem um lado lúdico e divertido que
devemos explorar e brincar com ele. Que precisamos de nossa fera interior para realizar coisas, e que
ela pode nos trazer muito prazer e diversão. Nem por isso deixo de ver nas
leituras que O Diabo também representa muitas vezes servidão aos instintos
inferiores, abuso de poder, malícia e maldade. O mesmo leão que simboliza força
e nobreza, também é a imagem arquetípica dos instintos brutais da natureza humana,
tão bem representado em histórias míticas mais antigas que a da tradição zen, como a do Leão de Nemeia da mitologia grega. Uma fera violenta e implacável que
habitava uma caverna escura. A leitura feita por Deva Padma traz a tona um viés
luminoso desse símbolo, mas de modo algum elimina sua totalidade arquetípica! E
se eu me limitasse a ver esse arcano apenas como a autora o apresenta, faria
também leituras limitadas!
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Romper com os próprios paradigmas pode ser perturbador, mas também libertador. A Torre XVI, do Soprafino tarot. |
Sendo assim reitero mais uma vez
que NÃO IMPORTA O TAROT QUE VOCÊ USA, ou que qualquer tarólogo use, o que
importa mesmo é o uso que se faz dele e a afinidade com suas imagens! Você pode fazer uma leitura puramente psicológica
usando o tarot de Marselha, por exemplo. Como pode fazer previsões usando o
Osho Zen tarot! Quem define isso é você, e não o autor do baralho e muito menos
o livreiro que só queria mesmo é criar uma frase de efeito para vender seu
produto. A propósito, eu mesmo faço prognósticos com o tarot Zen! Voltando ao
exemplo do Thoth tarot, veja que seu criador era um homem obcecado pelo lado
obscuro da magia e do poder. Curiosamente seu baralho foi usado como base para
a abordagem terapêutica do tarot por autores como Gerd Ziegler, Veet Vivarta e
Veet Pramad em seus respectivos livros: "Tarot– Espelho da Alma", "O Caminho do
Mago – Uma Visão Contemporânea do Tarot", e "Curso de Tarot e seu Uso Terapêutico". Todos excelentes, e que não possuem
absolutamente nada da obscuridade de Crowley porque seus autores se detiveram
na totalidade da visão simbólica, e não nas releituras do seu criador!
Por esse motivo é que muitos
autores e professores de tarot, como eu, insistem para que se inicie a
aprendizagem do tarot por sua linguagem clássica original, e depois se vá
explorando as reinterpretações feitas por criadores de outros baralhos. Suas releituras
sempre são enriquecedoras, mas não podem ser alienadas da origem simbólica do
tarot do qual, enfim, todos descendem. E você, que acha inteligente saber que tarot
um tarólogo usa em seu trabalho, saiba que isso é um atestado de pura ignorância e preconceito que só mostra o quanto você ainda precisa estudar, refletir e
ampliar sua visão interior sobre a simbologia, tanto quanto sobre as linguagens
do saber oculto.
Um texto muito interessante e clarificador.
ResponderExcluirObrigado Rogério! Seja sempre bem vindo à este blog! ;-)
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